Prof. Pasquale Duas palavras sobre a vírgula (4)
Na semana passada, continuamos nossa conversa sobre o emprego da vírgula. Na verdade, nossa conversa trata dos casos em que se emprega e dos casos em que não se emprega a gloriosa vírgula.
Um dos casos que vimos no último texto foi este: “Os candidatos responderam a todas as questões calmamente”. Vimos que os termos que compõem essa oração estão dispostos na ordem direta, por isso não há necessidade de empregar a vírgula. Vimos também que, se o advérbio “calmamente” fosse colocado depois de “responderam”, teríamos duas hipóteses: a) não empregar vírgula alguma (“Os candidatos responderam calmamente a todas as questões”); b) isolar o advérbio com duas vírgulas (“Os candidatos responderam, calmamente, a todas as questões”). Como dissemos, os dois procedimentos são corretos, mas não se pode afirmar que são absolutamente equivalentes, lembra? Com as vírgulas, enfatiza-se o modo como os candidatos responderam a todas as questões.
A coluna terminou com uma questão da Fuvest, em que se pedia ao aluno que indicasse o caso em que a opção pelo isolamento do advérbio com duas vírgulas alteraria o sentido. Uma das alternativas trazia esta frase: “A Terra não é evidentemente curva”. Pedi a você que pensasse no que ocorreria se a palavra “evidentemente” fosse posta entre vírgulas. A diferença se limitaria à simples questão da carga enfática sobre a palavra “evidentemente”?
A resposta é “não”, caro leitor. Apesar de terminarem em “-mente”, palavras como “calmamente” e “evidentemente” podem ter papéis diferentes. “Calmamente” funciona basicamente como modificador de um processo verbal, caso em que indica o modo como se executa esse processo. Quando se diz, por exemplo, que alguém respondeu calmamente às questões, diz-se que o processo de responder foi executado de modo calmo.
Com a palavra “evidentemente”, a história pode ser diferente. Esse termo pode ser empregado com mais de um valor. Pode funcionar, por exemplo, como elemento que estabelece coesão e coerência entre duas passagens de um texto, como se vê neste caso: “Evidentemente, ele negou a desempenhar esse papel”. O que se afirmou antes da emissão dessa frase fez ser evidente o fato de tal pessoa ter-se negado a desempenhar determinado papel. O advérbio “evidentemente” pode funcionar também como modificador direto de um termo de uma frase: “A jornalista estava evidentemente descontrolada”. No caso, a palavra indica que o estado da jornalista era evidente.
Voltemos à frase da Fuvest (“A Terra não é evidentemente curva”). Sem as vírgulas, o advérbio “evidentemente” tende a modificar a palavra “curva”, o que significa que o caráter curvilíneo da Terra não é evidente. Afirma-se que a Terra é curva, com a ressalva de que isso não é evidente. Com as vírgulas (“A Terra não é, evidentemente, curva”), afirma-se que a Terra não é curva e que isso é evidente. O termo “evidentemente” pode funcionar aí como elemento de costura com alguma passagem anterior de um texto, da qual se deduzisse que a Terra não é curva.
Sei que o caso não é simples, mas, se você pensar bem e reler os últimos parágrafos, certamente vai perceber de vez a diferença de sentido que decorre da presença (ou da ausência) das vírgulas. Nossa conversa sobre as vírgulas vai continuar.
Duas palavras sobre a vírgula (3)
Os termos estão em ordem direta - sujeito, verbo, complemento e adjunto adverbial -, não há necessidade de vírgulas
Nas duas últimas colunas, trocamos dois dedos de prosa sobre alguns casos em que se emprega (ou não se emprega) a vírgula. Domingo passado, vimos que não se separam com vírgula termos que têm relação sintática direta e que estão lado a lado (sujeito e verbo, verbo e sujeito, verbo e seus complementos etc.). A coluna terminou com este exemplo: “Comunicamos aos clientes que as atividades desta loja serão encerradas às 23h”.
Quantas vírgulas mesmo se empregam nesse caso? Nenhuma, lembra? A forma verbal “comunicamos” é seguida de seus dois complementos: o complemento indireto (a pessoa a quem se comunica) é “aos clientes”; o complemento direto (aquilo que se comunica) é a oração “que as atividades desta loja serão encerradas às 23h”. Moral da história: não há vírgula entre “comunicamos” e “aos clientes” (não há motivo para separar um verbo de seu complemento, assim como não há motivo para separar pai de filho, lembra?), nem há vírgula entre “clientes” e “que as atividades desta loja...” (não há motivo para separar um complemento verbal de outro, assim como não há motivo para separar irmão de irmão, lembra?).
Vamos a outro caso. Leia esta frase: “Os candidatos responderam a todas as questões da prova calmamente”. Os termos estão em ordem direta: começa-se pelo sujeito (“Os candidatos”); em seguida, vem o verbo (“responderam”), que, por sua vez, é seguido por seu complemento (“a todas as questões da prova”). Por fim, surge o adjunto adverbial (“calmamente”). Como os termos estão em ordem direta, não há necessidade de vírgulas.
Que ocorreria se o advérbio “calmamente” fosse colocado depois de “responderam”? Seria interrompida a relação entre o verbo e seu complemento, o que nos permitiria escolher uma das seguintes hipóteses: a) não empregar vírgula alguma (“Os candidatos responderam calmamente a todas as questões da prova”); b) isolar o advérbio com duas vírgulas (“Os candidatos responderam, calmamente, a todas as questões da prova”).
Os dois procedimentos são corretos, mas não se pode afirmar que são absolutamente equivalentes. Não são. O mínimo que se pode dizer é que, com as vírgulas, enfatiza-se o modo como os candidatos responderam a todas as questões da prova. O que não se pode fazer é usar apenas uma vírgula (“Os candidatos responderam calmamente, a todas as questões da prova” ou “Os candidatos responderam, calmamente a todas as questões da prova”). Teríamos aí “vírgulas solteiras”, que quebrariam a relação existente entre os termos que formam a cadeia sintática.
Às vezes, a pontuação de advérbios terminados em “-mente” não é tão simples como no exemplo que acabamos de ver. Certa vez, a Fuvest elaborou uma questão em que se pedia ao aluno que indicasse o caso em que a opção pelas vírgulas alteraria o sentido. Uma das alternativas trazia esta frase: “A Terra não é evidentemente curva”. Que ocorreria se o advérbio “evidentemente” fosse posto entre vírgulas? A diferença se limitaria à simples questão da carga enfática sobre a palavra “evidentemente”?
Já tratei desse caso há um bom tempo, mas, como a “audiência” é rotativa e como a questão é muito interessante, creio que vale a pena tratar novamente do exemplo. Bem, o espaço acabou, por isso vou dar a você uma semana para pensar no caso. Que me diz? Já adianto um pontinho da questão: a diferença não se limitaria à carga enfática, não. Vá pensando.
Até segunda. Um forte abraço.
Pasquale Cipro Neto
Prof. Pasquale
Duas palavras sobre a vírgula (4)
Na semana passada, continuamos nossa conversa sobre o emprego da vírgula. Na verdade, nossa conversa trata dos casos em que se emprega e dos casos em que não se emprega a gloriosa vírgula.
Um dos casos que vimos no último texto foi este: “Os candidatos responderam a todas as questões calmamente”. Vimos que os termos que compõem essa oração estão dispostos na ordem direta, por isso não há necessidade de empregar a vírgula. Vimos também que, se o advérbio “calmamente” fosse colocado depois de “responderam”, teríamos duas hipóteses: a) não empregar vírgula alguma (“Os candidatos responderam calmamente a todas as questões”); b) isolar o advérbio com duas vírgulas (“Os candidatos responderam, calmamente, a todas as questões”). Como dissemos, os dois procedimentos são corretos, mas não se pode afirmar que são absolutamente equivalentes, lembra? Com as vírgulas, enfatiza-se o modo como os candidatos responderam a todas as questões.
A coluna terminou com uma questão da Fuvest, em que se pedia ao aluno que indicasse o caso em que a opção pelo isolamento do advérbio com duas vírgulas alteraria o sentido. Uma das alternativas trazia esta frase: “A Terra não é evidentemente curva”. Pedi a você que pensasse no que ocorreria se a palavra “evidentemente” fosse posta entre vírgulas. A diferença se limitaria à simples questão da carga enfática sobre a palavra “evidentemente”?
A resposta é “não”, caro leitor. Apesar de terminarem em “-mente”, palavras como “calmamente” e “evidentemente” podem ter papéis diferentes. “Calmamente” funciona basicamente como modificador de um processo verbal, caso em que indica o modo como se executa esse processo. Quando se diz, por exemplo, que alguém respondeu calmamente às questões, diz-se que o processo de responder foi executado de modo calmo.
Com a palavra “evidentemente”, a história pode ser diferente. Esse termo pode ser empregado com mais de um valor. Pode funcionar, por exemplo, como elemento que estabelece coesão e coerência entre duas passagens de um texto, como se vê neste caso: “Evidentemente, ele negou a desempenhar esse papel”. O que se afirmou antes da emissão dessa frase fez ser evidente o fato de tal pessoa ter-se negado a desempenhar determinado papel. O advérbio “evidentemente” pode funcionar também como modificador direto de um termo de uma frase: “A jornalista estava evidentemente descontrolada”. No caso, a palavra indica que o estado da jornalista era evidente.
Voltemos à frase da Fuvest (“A Terra não é evidentemente curva”). Sem as vírgulas, o advérbio “evidentemente” tende a modificar a palavra “curva”, o que significa que o caráter curvilíneo da Terra não é evidente. Afirma-se que a Terra é curva, com a ressalva de que isso não é evidente. Com as vírgulas (“A Terra não é, evidentemente, curva”), afirma-se que a Terra não é curva e que isso é evidente. O termo “evidentemente” pode funcionar aí como elemento de costura com alguma passagem anterior de um texto, da qual se deduzisse que a Terra não é curva.
Sei que o caso não é simples, mas, se você pensar bem e reler os últimos parágrafos, certamente vai perceber de vez a diferença de sentido que decorre da presença (ou da ausência) das vírgulas. Nossa conversa sobre as vírgulas vai continuar.
Duas palavras sobre a vírgula (3)
Os termos estão em ordem direta - sujeito, verbo, complemento e adjunto adverbial -, não há necessidade de vírgulas
Nas duas últimas colunas, trocamos dois dedos de prosa sobre alguns casos em que se emprega (ou não se emprega) a vírgula. Domingo passado, vimos que não se separam com vírgula termos que têm relação sintática direta e que estão lado a lado (sujeito e verbo, verbo e sujeito, verbo e seus complementos etc.). A coluna terminou com este exemplo: “Comunicamos aos clientes que as atividades desta loja serão encerradas às 23h”.
Quantas vírgulas mesmo se empregam nesse caso? Nenhuma, lembra? A forma verbal “comunicamos” é seguida de seus dois complementos: o complemento indireto (a pessoa a quem se comunica) é “aos clientes”; o complemento direto (aquilo que se comunica) é a oração “que as atividades desta loja serão encerradas às 23h”. Moral da história: não há vírgula entre “comunicamos” e “aos clientes” (não há motivo para separar um verbo de seu complemento, assim como não há motivo para separar pai de filho, lembra?), nem há vírgula entre “clientes” e “que as atividades desta loja...” (não há motivo para separar um complemento verbal de outro, assim como não há motivo para separar irmão de irmão, lembra?).
Vamos a outro caso. Leia esta frase: “Os candidatos responderam a todas as questões da prova calmamente”. Os termos estão em ordem direta: começa-se pelo sujeito (“Os candidatos”); em seguida, vem o verbo (“responderam”), que, por sua vez, é seguido por seu complemento (“a todas as questões da prova”). Por fim, surge o adjunto adverbial (“calmamente”). Como os termos estão em ordem direta, não há necessidade de vírgulas.
Que ocorreria se o advérbio “calmamente” fosse colocado depois de “responderam”? Seria interrompida a relação entre o verbo e seu complemento, o que nos permitiria escolher uma das seguintes hipóteses: a) não empregar vírgula alguma (“Os candidatos responderam calmamente a todas as questões da prova”); b) isolar o advérbio com duas vírgulas (“Os candidatos responderam, calmamente, a todas as questões da prova”).
Os dois procedimentos são corretos, mas não se pode afirmar que são absolutamente equivalentes. Não são. O mínimo que se pode dizer é que, com as vírgulas, enfatiza-se o modo como os candidatos responderam a todas as questões da prova. O que não se pode fazer é usar apenas uma vírgula (“Os candidatos responderam calmamente, a todas as questões da prova” ou “Os candidatos responderam, calmamente a todas as questões da prova”). Teríamos aí “vírgulas solteiras”, que quebrariam a relação existente entre os termos que formam a cadeia sintática.
Às vezes, a pontuação de advérbios terminados em “-mente” não é tão simples como no exemplo que acabamos de ver. Certa vez, a Fuvest elaborou uma questão em que se pedia ao aluno que indicasse o caso em que a opção pelas vírgulas alteraria o sentido. Uma das alternativas trazia esta frase: “A Terra não é evidentemente curva”. Que ocorreria se o advérbio “evidentemente” fosse posto entre vírgulas? A diferença se limitaria à simples questão da carga enfática sobre a palavra “evidentemente”?
Já tratei desse caso há um bom tempo, mas, como a “audiência” é rotativa e como a questão é muito interessante, creio que vale a pena tratar novamente do exemplo. Bem, o espaço acabou, por isso vou dar a você uma semana para pensar no caso. Que me diz? Já adianto um pontinho da questão: a diferença não se limitaria à carga enfática, não. Vá pensando.
Até segunda. Um forte abraço.
Pasquale Cipro Neto
Nenhum comentário:
Postar um comentário