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segunda-feira, 6 de junho de 2011

AO PÉ DA LETRA

 



Prof. Pasquale
                                               
                                  Prof. Pasquale
Duas palavras sobre o emprego da vírgula

Dia desses, num supermercado, uma senhora me disse que gostaria muito de saber empregar a vírgula “para valer”. “Sei que a questão exige algum conhecimento técnico”, disse ela, “mas muitas vezes vou pela intuição”. E concluiu: “Será que isso dá certo?”.

Bem, a simpática senhora que me abordou talvez acerte mais do que erre ao se valer da intuição, mas talvez fosse melhor dominar alguns conceitos essenciais para não tropeçar nos casos básicos.


De início, é preciso (re)lembrar que é pura lorota a ideia de que é a respiração o que determina quando e onde se emprega a vírgula. Definitivamente, esqueça esse “conceito”. Essa falsa tese talvez decorra da inversão do raciocínio: como a vírgula muitas vezes indica uma pausa, supõe-se (erroneamente) que a toda pausa corresponde uma vírgula. Não é assim. Quando o sujeito da oração é longo, por exemplo, é normal que, na leitura, haja uma pausa entre ele e o verbo, o que não significa que se deva colocar uma vírgula entre esses dois integrantes da oração. Sujeito e verbo (ou verbo e sujeito) não se separam por vírgula, mesmo que o sujeito seja extenso.

Vejamos estes dois casos: “Minha filha dorme!”; “Minha filha, dorme!”. A função de “minha filha” depende da presença ou da ausência da vírgula. No primeiro exemplo (sem vírgula), “minha filha” é o sujeito da oração. Nesse caso, declara-se que a filha dorme. No segundo exemplo, a vírgula transforma “minha filha” em vocativo (ser real ou personificado ao qual a mensagem é dirigida). “Vocativo” é da mesma família de “evocar”, “evocação”, “convocar” etc.

Os dois exemplos anteriores exemplificam bem o que pode ocorrer quando se emprega uma “inofensiva” vírgula. Pode-se, por exemplo, transformar o sujeito em vocativo (e vice-versa); pode-se, pura e simplesmente, alterar o sentido do texto. Vejamos outro par de frases: “São Paulo acorda!”; “São Paulo, acorda!”. Percebeu?

A esta altura, alguém talvez esteja pensando nas formas verbais “acorda” e “dorme”, das frases “São Paulo, acorda!” e “Minha filha, dorme!”. Para que se configurasse a ideia de ordem e para que “São Paulo” e “minha pequena” efetivamente tivessem a função de vocativo, não seria necessário que as formas verbais fossem “acorde” e “durma”, respectivamente? A resposta é não. Consegue-se o tom de ordem na mensagem tanto com “acorda” e “dorme” quanto com “acorde” e “durma”.

Na tradição da língua, “acorda” e “dorme” são da segunda pessoa do singular (“tu”) do imperativo afirmativo, que, como já vimos algumas vezes neste espaço, deriva do presente do indicativo (sem o “s” final). De “acordas (“tu acordas”) e “dormes” (“tu dormes”), fazem-se “acorda” e “dorme” (segunda do singular do imperativo afirmativo de “acordar” e “dormir”, respectivamente). Sempre em termos de língua tradicional, a terceira do singular do imperativo é feita a partir do presente do subjuntivo.

Moral da história: levando em conta o que se observa na tradição da língua, em “São Paulo, acorda!” e “Minha pequena, dorme!” temos a segunda do singular (“tu”) do imperativo afirmativo; em “Acorde, São Paulo!” e “Minha pequena, durma!”, temos a terceira do singular (“você”). A conversa sobre a vírgula nos fez dar um passeio pelos verbos. Isso foi só o começo. Na semana que vem, a questão continua.

Até segunda. Um forte abraço.

Pasquale Cipro Neto

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