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segunda-feira, 16 de maio de 2011

AO PÉ DA LETRA


Prof. Pasquale
                                               
                                  Prof. Pasquale
O óbvio ululante

Nas últimas colunas, tratamos do emprego de alguns tempos e modos verbais. Salvo engano meu, esse “lote” de textos começou com uma conversa sobre o emprego da palavra “bastante”, que, como vimos, significa literalmente “que basta”. Ou será que significa “que baste”?


Bem, isso foi tratado nas últimas colunas, de modo que...Bem, de certa maneira, vamos voltar ao ponto. Dia desses, num evento destinado a universitários, percebi que boa parte da plateia desconhecia o significado e o uso de palavras corriqueiras no ambiente científico ou literário. Uma dessas palavras é “obstante”, que estava num dos textos que analisávamos. “Obstante” ocorre, por exemplo, na locução “não obstante”. Silêncio geral quando perguntei o significado desse vocábulo (e o de outros, como “tergiversação” e “briosa”).

Há pelo menos dois problemas nisso, creio. Um certamente é a pouca leitura, o pouco contato com o que vai além da língua do dia a dia, a qual, para muitos dos gênios da ultramegassupermodernidade dos estudos linguísticos, basta para tudo na vida (para esses gênios, qualquer tentativa de ensino de erudição linguística é preconceituosa, opressiva e outras besteiras).

O outro problema é a falta de capacidade de associar uma palavra a outras da mesma família. Algumas pessoas que dizem que não sabem o que é “briosa” sabem o que é “brio”. Ora, a terminação “oso/a” designa “abundância”, “posse plena” etc., portanto quem é brioso é cheio de brio.

E “tergiversação”? Vamos aos dicionários: “ato ou efeito de tergiversar”. Para muitos, é o que basta para desistir da consulta ou, no mínimo, maldizer o dicionarista. Se você faz (ou fazia) parte desse grupo, pare, pense, reflita. Não amaldiçoe os dicionários. Note, por favor, que o procedimento dessas obras é muito claro: o significado da família de palavras é explicado uma vez só (em geral, no verbo).

Vejamos isso concretamente, tomando por base as palavras “tergiversação”, “tergiversador” e “tergiversar”. No verbete “tergiversador”, encontra-se “que ou aquele que tergiversa”; em “tergiversação”, já sabemos que se encontra “ato ou efeito de tergiversar”. Agora, só falta saber o que significa “tergiversar”...

É justamente aí que está o xis do problema. Quem tem o fundamental e saudável hábito de consultar dicionários não perde tempo, isto é, vai direto ao assunto e procura logo o verbo. Para que se chegue a isso, além do hábito em si, é preciso ter ou criar a habilidade de perceber de imediato qual é o verbo da família de palavras que está em discussão. Um vocábulo como “ululante” (que o genial Nélson Rodrigues não se cansava de repetir quando se referia ao “óbvio ululante”), por exemplo, deve imediatamente levar o consulente ao verbo... Que verbo? Só pode ser “ulular”. Assim como “estudante” é “aquele que estuda” e “pedinte” é “aquele que pede”, “ululante” só pode ser “aquele que ulula”.

E qual é mesmo o significado de “tergiversar” e “ulular”? Você mesmo poderia consultar um dicionário e resolver a questão, mas, como talvez não haja um à mão, vamos lá, começando por “tergiversar”, que significa “procurar rodeios, evasivas; usar de subterfúgios”, ou seja, “não responder diretamente ao que se pergunta” (“enrolar”, na língua do dia a dia). Os vários significados de “ulular” estão ligados à idéia de “soltar a voz”, “soltar gritos”. Em palavras pobres, “ulular” é “gritar”, portanto o “óbvio ululante” é tão óbvio que grita sua obviedade.Ainda há muito a dizer sobre o tema, por isso nossa conversa sobre isso vai continuar nas próximas semanas.

Até segunda. Um forte abraço.

Pasquale Cipro Neto

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