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segunda-feira, 30 de maio de 2011

AO PÉ DA LETRA

 


Prof. Pasquale
                                               
                                  Prof. Pasquale
Nas últimas semanas, trocamos duas palavras sobre alguns dos cuidados que é preciso tomar quando se consulta um dicionário. Falamos de palavras como “tergiversação”, “brioso”, “ululante” etc. Vimos que, em vez de esbravejar contra os dicionaristas, é melhor habituar-se à mecânica do processo, o que significa, por exemplo, ir direto à palavra primitiva (os verbos “tergiversar” e “ulular”, no caso de “tergiversação” e “ululante”, respectivamente, o substantivo “brio”, no caso de “brioso” e assim por diante).

Se o caro leitor sabe que “transferência” é o “ato de transferir” e “conferência” é o “ato de conferir”, fica fácil concluir que “anuência” é o “ato ou efeito de anuir”. Para que não se perca tempo, vai-se diretamente a “anuir”, que significa “estar de acordo”, “aprovar”. A “anuência”, portanto, é o consentimento, a aprovação.


Talvez você diga que quem não sabe o que é “anuência” certamente não sabe que existe a palavra “anuir”, o que talvez seja a mais pura verdade. Não é menos verdade, no entanto, que o convívio com as palavras nos faz internalizar determinados mecanismos, o que, no caso de “anuência”, significa lembrar que a terminação “-ência” ocorre em substantivos derivados de verbos que terminam em “-er” ou “-ir” (de “abster”, faz-se “abstinência”; de “aderir”, faz-se “aderência”). Desse modo (e de outros), vai-se criando a tão desejada intimidade com as palavras, cujo resultado pode ser uma deliciosa surpresa. Nesse território, nada é mais fantástico do que descobrir que se conseguiu associar elementos, queimar etapas e chegar - quase sem necessidade de ajuda - ao significado de determinada palavra.

Vejamos agora outra faceta dessa questão: a grafia de certas expressões, ou, mais especificamente, a questão do hífen. Antes da reforma ortográfica (que entrou em vigor em 01/01/2009), era necessário diferenciar “corpo-a-corpo” de “corpo a corpo”. Grafava-se “corpo-a-corpo” quando se fazia a substantivação da expressão (“Na reta final, os candidatos devem intensificar o corpo-a-corpo com os eleitores”). Como a reforma aboliu o hífen nos compostos formados por três ou mais elementos que não designam espécies botânicas ou zoológicas, a expressão “corpo a corpo” passou a ser escrita sem hífen, qualquer que seja o seu significado.

Antes que me esqueça, a reforma “cometeu” algumas exceções quanto ao emprego do hífen nos compostos de três ou mais elementos: “mais-que-perfeito”, “pé-de-meia”, “água-de-colônia”, “arco-da-velha”, “cor-de-rosa”.

Que relação tem a referência ao caso da expressão “corpo a corpo” (e a outras, similares) com a questão da consulta aos dicionários? É simples: antes da reforma ortográfica, quem procurava, por exemplo, “corpo” ou “dia” num dicionário encontrava, depois dos diversos significados desses vocábulos, uma relação de expressões da língua da qual essas palavras fazem parte. Uma dessas expressões era “dia a dia”, que significava apenas “com o correr dos dias”, “dia após dia” (“Ela melhora dia a dia”). E por que escrevi “significava apenas”? Porque, se o sentido fosse o de “o viver cotidiano”, grafava-se “dia-a-dia” (“Ainda é muito difícil o dia-a-dia de boa parte dos brasileiros”).

Como já vimos, a reforma ortográfica acabou com esse caso de emprego do hífen. Quem quer aderir à nova grafia (até 31/12/2012 a escolha é livre) deve escrever “corpo a corpo” e “dia a dia”, qualquer que seja o sentido das expressões. Na grafia pós-reforma, o exemplo que encerra o parágrafo anterior fica assim: “Ainda é muito difícil o dia a dia de boa parte dos brasileiros”.

Até segunda. Um forte abraço.

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